Seu Lobo

Seu Lobo
Ele tá vindoooo! Uhauuuu!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Eliana Calmon convoca Jesus por testemunha.

Jesus certa vez contou uma parábola um tanto quanto insólita. Era pra incentivar os crentes a orar a Deus sem desistir. Até hoje sou enculcado com esse negócio de orar, qual o verdadeiro sentido da oração. Se Deus sabe tudo o que precisamos e o que é importante para nós e ele é bom e nos ama, por que Jesus insistiu tanto para que orássemos sempre?  Bom, agora isso não vem ao caso. O importante é que Jesus contou a tal parábola insólita. A propósito, o que é “insólita”? O dicionário diz que é a forma feminina de um adjetivo, que fala de uma coisa que é inesperada, estranha, surpreendente, pouco usual, inusitada. Usei esse adjetivo para essa parábola porque eu sempre me surpreendi com ela, nunca esperaria esse tipo de comparação naquele ponto do discurso de Jesus, quando ele falava da necessidade de o crente orar sem desistir.  Mas, homem, vamos à tal parábola insólita, por favor!

Então tá. Pode acha-la no evangelho de Lucas, capítulo 18, versículos de 1 a 8. Jesus disse que uma certa viúva procurou um juiz para que este julgasse sua causa que tava engavetada. Coitada da viúva, pobrezinha, sem poder pagar “adevogado”, nem oferecer algum percentual da causa, vê o tempo passar e nada de julgamento. Nada se sabe sobre que causa era essa, apenas que era contra “o meu adversário”. A velha tava vendo a hora morrer antes do tal juiz decidir. Mas Jesus disse que a pobre todo dia ia ao fórum: “Doutor, julga minha causa”. Imagina o doutorzão todo “nos trajes”, todo protocolizado, descendo do seu Landau (faz tempo, gente!) e dirigindo-se para os degraus do prédio imponente, apressado! A pobrezinha ali, na sua insignificância, de vestido preto, roto, cabelo desgrenhado, cheirinho de talco Barla, quatro dentes na boca... “Doutor, julga minha causa!”. Só dizia isso. Gritava, na verdade, meio que de longe. O juiz olhava “de esguelha” e dizia consigo mesmo “Ô velha chata... vou julgar a causa dela hoje!”. Mas, quando sentava na sua sala chique, telefone toca aqui, celular ali, é o Colaço de Herodes, é Dr. Astúrius, o Centurião Maximus lhe espera, Princesa Judite mandou um bilhetinho, videoconferência com o Procônsul Cesárius... e vai que vai, vira daqui, puxa dali...  Acabou o dia. Afinal dia de juiz é mais curto, não se esqueçam. E a semana também, pois ele chegava de Jerusalém na 2ª à tarde, trabalhava de terça a quinta e voltava na sexta cedinho pra a capital (isso vem de longe, gente! De looonge!).   Dia seguinte, lá se vem o Landau de novo. Motorista desce e abre a porta para o togado. Ele corre apressado para subir os degraus e... “Doutor, julga minha causa!”.  “Putsgrila, de novo essa velha! Caramba, eu vou julgar a droga do processo dela agooora, antes de começar qualquer coisa. Não aguento mais esse chafurdo”.  Lá dentro, manda o oficial procurar o processo. “Doutor, nós não botamos ainda no computador os processos velhos, só os novos. O dela deve de tá lá na Escola de Tirano. Vou mandar o pessoal localizar. Mas vai levar bem uma semana, eu acho”.  “Não é possível! Mais uma semana de a velha gritando na escadaria!”. E assim foi. Todos os dias da semana seguinte, a velha lá: “Doutor, julga minha causa”. Té que um dia, o juiz recebeu o processo. Tava cheio de pó. Fazia uns 2 anos que faltava só um despacho dele. Era um caso simples, muito simples. Só precisou escrever duas linhas e assinar. “Ave-maria-cruz-credo! Tou livre! Publica aí no Diário Oficial de Roma e comunica logo àquela doida lá na calçada. Não quero ouvir mais seu grito amanhã!”.

Faltou eu dizer só um detalhe: Jesus falou que esse juiz era de um certo tipo: dum tipo que “não temia a Deus nem respeitava homem algum”.  Conhece algum juiz desse tipo hoje em dia? Eu só mudaria a última parte: “nem respeita homem algum que não seja influente”. Creio que Jesus queria dizer isso mesmo, pode ter certeza. É linguagem hiperbólica.

É ou não é insólita essa parábola? Por que?  Porque é meio estranho ilustrar a resposta de Deus às nossas orações com a do tal juiz, não?  Jesus encerra a parábola assim: “Considerai no que diz este juiz iníquo: ‘Bem que eu não temo a Deus, nem respeito a homem algum;
todavia, como esta viúva me importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim, venha a molestar-me’”. E, em seguida, Jesus fecha com a aplicação:  “Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?”  Ponto.

Mas, pera aí, como foi que Jesus referiu-se ao juiz?  “Juiz iníquo”!  Sim, Jesus disse que o juiz era iníquo! Tinha desse tipo naquele tempo. Continua hoje. Certamente tinham “adevogados” iníquos naquele tempo; tem também hoje. Assim como engenheiros iníquos, professores iníquos, empresários, psicólogos, médicos, administradores, cientistas, sociólogos, escritores, padres, pastores, motoristas, pedreiros, pais e mães de família, negros, brancos, asiáticos, héteros e homossexuais, políticos.... a cretinice não tem fronteiras. É democrática; ampla, geral e irrestrita!

Então por que o rebu geral nas cortes brasileiras quando a ministra Eliana Calmon disse que “há juízes criminosos infiltrados no judiciário”?  É ou não é verdade? Quem pode negar isso? Quer dizer que podemos afirmar que há gente desonesta infiltrada em tudo que é grupo humano, menos dizer isso dos juízes, não é?

Os juízes honestos, íntegros, corretos e éticos – a maioria – não se sentiram ofendidos pelas declarações da Ministra. Pelo contrário, concordaram plenamente e deram apoio a ela, pois sabem, mais do que ninguém, que a moralização do judiciário vai ser boa para eles e para a sociedade.  Contudo aqueles que temem, por alguma razão, vestiram a carapuça.

Dona Eliana, a senhora está acompanhada de ninguém menos do que Jesus Cristo em sua afirmação! Não é uma companhia de se desprezar, não é mesmo?

sábado, 1 de outubro de 2011

Tente explicar I



Menino de 10 anos, de família tranquila, de pais evangélicos, querido por todos, bons relacionamentos no lar e na vizinhança. Na escola boas notas, amizades, elogios. Na igreja toca bateria no grupo de louvor. Vive bem, sem conflitos com o único irmão, mais velho, de 14 anos. Família sem grandes posses, mas financeiramente equilibrada.  Um belo dia anuncia que irá matar a professora. Os poucos colegas de classe que ouvem essa história acham-na tão absurda que nem consideram a hipótese de leva-la a sério. No dia seguinte, pega o revólver do pai, policial, que sabia estar escondido em certo lugar. Põe na mochila. O pai leva os irmãos à escola, à pé, pela mão, como todo dia, pois moravam a um quarteirão do colégio. Um dia como outro qualquer. Não foi.

Ao chegar em casa para pegar o revólver para o trabalho o pai não o encontra. Desesperado liga para a esposa. Ela diz que não tem ideia do que ocorreu. Mais desesperado ainda o pai corre à escola e manda chamar os filhos. Eles descem e dizem que não pegaram a arma. “Como eles não costumavam mentir e falaram com tanta segurança, acreditei piamente” disse depois à polícia. O pai volta pra casa e continua a procurar a arma. Fica imaginando que talvez algum estranho a tenha pego. Não, nada havia que indicasse essa hipótese. Onde estaria essa arma? O pai estava convencido que não estava com os meninos. Estava.

A notícia correu pela rua a partir da porta principal da escola como um rastilho de sombra lúgubre, um rastro do pó escuro de morte. Percorre as ruas em todas as direções. Bate na porta do pai que, ao telefone, ligava para os companheiros de farda tentando uma explicação e buscando ajuda acerca do sumiço da arma. Não precisava mais. A resposta veio de chofre: seu filho mais novo acabara de atirar contra a professora e depois contra a própria cabeça. Acabou.

Essa nem Freud explica! Os psicólogos e outros profissionais das humanidades estão perplexos. Nós todos, mais ainda que eles. Pode ser que, mais tarde, depois de muita investigação e análise de novos dados e fatos, cheguem a alguma mínima explicação. Talvez. Somos pessoas de senso. As coisas têm que fazer sentido para nós, ainda que menos do que precisamos. Nós precisamos de sentido nas coisas, sentido da vida.

Para nós fica a inquietação, a certeza que, afinal, não chegamos a conhecer nem a nós mesmos, nem a humanidade que nos cerca. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” escreveu com costumeira lucidez o grande Sheakpeare na sua notável obra Hamlet. Sim, muitos mistérios, muito mais do que podemos supor, não apenas na vã filosofia mas em tudo o que concerne à nossa vã condição humana. 

Segue a vida. Enquanto seu lobo não vem. Que esse acontecimento ao menos sirva para nos deixar mais humildes, conscientes de nossas próprias limitações. E que cada pessoa encontre o sentido da existência, da espécie e da sua própria, pois que dentro de cada um clama uma ânsia de infinitude que nunca pode calar.