Seu Lobo

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Ele tá vindoooo! Uhauuuu!

domingo, 6 de julho de 2014

Sobre acertos e erros


Prezados amigos,

Permitam-me, por gentileza, compartilhar com vocês uma das mais preciosas lições que aprendi de meu  pai, recentemente falecido.

Meu pai foi um exímio pregador do evangelho de Jesus Cristo.  Estudioso, autodidata, mente arguta, profundo conhecedor da natureza humana, culto – sabia tudo de filosofia e de história universal – erudito, proficiente no domínio da língua pátria, tradutor (traduziu algumas obras do inglês para o português) e, sobretudo, orador por excelência. Sua cultura era invejável e suas habilidades surpreendiam, sabendo-se que veio de uma família paupérrima e numerosa de Caicó-RN, e que não teve oportunidade de concluir nem o ginásio, o que dificultou sua entrada no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, instituição então famosa pelo padrão de exigência na formação teológica. Não fazia uma anotação em sala de aula. Apenas ouvia o professor. Leitor voraz, ao fim dos quatro anos de sua formação, obteve prêmios: maior média em todas as disciplinas do currículo dentre todos os alunos da casa, maior leitor da biblioteca do seminário e o título de “seminarista solução”, por ser sempre um solucionador nos conflitos.

Seus sermões eram sempre uma obra cuidadosamente preparada, pesquisada, construída com esmero, precisão e extremo cuidado. Conquistou muitos admiradores e muita gente converteu-se a Cristo por sua instrumentalidade. Era apaixonado pela pregação do Evangelho e cria de coração nessa mensagem, para a qual dedicou toda sua vida. Dizem os admiradores que seus sermões eram comparáveis ao do Padre Antônio Vieira. Alguns, mais apaixonados, diziam até que superavam os do famoso jesuíta. Mas isso é outra questão.

Sua especialidade era selecionar, contar e aplicar ilustrações para fixar os pontos de sua pregação. Nisso era insuperável. Costumava dizer que um sermão sem ilustrações era como um prédio sem janelas.

Pois bem, eu estava pelos 25 anos, recém formado pela segunda turma de engenharia elétrica da UFMA, trabalhando no departamento de operações da CEMAR.   Sentado em um banco de igreja, ouvindo um de seus sermões, não lembro mais qual ponto da mensagem ele queria ressaltar quando contou esta ilustração que compartilho agora. Assim como ela marcou a minha vida desde então, espero que possa servir para alguma coisa aos senhores. Vamos lá:


Havia (no mundo da imaginação), numa cidade italiana, nos idos da Renascença, um pintor famoso  que passou dois anos trabalhando num quadro que considerava ser a obra-prima de sua vida.  Depois de árduo trabalho, finalmente concluiu sua obra. Para apreciá-la em primeira mão chamou o seu melhor amigo, um afamado crítico de artes e, por isso mesmo, capaz de apreciar sua obra com propriedade. No dia aprazado o amigo apareceu, muito contente do privilégio a si concedido. Tomaram um café e conversaram um pouco na antessala. Depois, adentraram ao ateliê. O pintor abriu vagarosamente a cortina da janela e deixou entrar a brisa doce e suave junto com a tênue claridade de uma típica e modorrenta tarde europeia. O quadro estava ali no cavalete, coberto por uma manta de veludo. Acesas as lâmpadas a gás e ajustada a luminosidade, o pintor, enfim, descerrou o quadro.  O privilegiado primeiro contemplador quedou-se, de imediato, extasiado! Que técnica! Que profundidade de cores! Que texturas! Que nuances! Que luminosidade! Que magia capturada! Que equilíbrio de tons e cores! Que perfeição de proporcionalidades! De fato uma obra prima! Não faltavam palavras na apreciação da obra, o amigo encantado com o que estava diante de seus olhos! Parabenizava efusivamente ao pintor e não economizava nos elogios, quando, de repente, algo lhe chamou a atenção no canto inferior direito do quadro. Calou-se, parou, fixou o olhar, o rosto ganhou leves tons de seriedade que foram logo acentuados pelo cenho cerrado de quem convive com a crítica por profissão. Os pés se moverem como por automático impulso em direção ao quadro, àquele ponto, o braço erguendo-se, à frente um dedo em riste, a aproximar-se, resoluto, até tocar levemente, como para constatar que, de fato, não havia engano: “Cometeste um erro aqui. Precisas corrigi-lo, amigo, antes de expor a obra”.  O pintor que a tudo observava, braços cruzados, inabalável, sorriu com serenidade e leveza: “Não, amigo! Deixei esta falha de propósito, para ilustrar que, na vida, por melhor que façamos a nossa obra, o que ficará em evidência será o erro”.