Prezados amigos,
Permitam-me, por gentileza, compartilhar com vocês uma das
mais preciosas lições que aprendi de meu
pai, recentemente falecido.
Meu pai foi um exímio pregador do evangelho de Jesus
Cristo. Estudioso, autodidata, mente
arguta, profundo conhecedor da natureza humana, culto – sabia tudo de filosofia
e de história universal – erudito, proficiente no domínio da língua pátria,
tradutor (traduziu algumas obras do inglês para o português) e, sobretudo,
orador por excelência. Sua cultura era invejável e suas habilidades
surpreendiam, sabendo-se que veio de uma família paupérrima e numerosa de
Caicó-RN, e que não teve oportunidade de concluir nem o ginásio, o que
dificultou sua entrada no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife,
instituição então famosa pelo padrão de exigência na formação teológica. Não
fazia uma anotação em sala de aula. Apenas ouvia o professor. Leitor voraz, ao
fim dos quatro anos de sua formação, obteve prêmios: maior média em todas as
disciplinas do currículo dentre todos os alunos da casa, maior leitor da
biblioteca do seminário e o título de “seminarista solução”, por ser sempre um
solucionador nos conflitos.
Seus sermões eram sempre uma obra cuidadosamente preparada,
pesquisada, construída com esmero, precisão e extremo cuidado. Conquistou
muitos admiradores e muita gente converteu-se a Cristo por sua
instrumentalidade. Era apaixonado pela pregação do Evangelho e cria de coração nessa
mensagem, para a qual dedicou toda sua vida. Dizem os admiradores que seus
sermões eram comparáveis ao do Padre Antônio Vieira. Alguns, mais apaixonados, diziam
até que superavam os do famoso jesuíta. Mas isso é outra questão.
Sua especialidade era selecionar, contar e aplicar
ilustrações para fixar os pontos de sua pregação. Nisso era insuperável.
Costumava dizer que um sermão sem ilustrações era como um prédio sem janelas.
Pois bem, eu estava pelos 25 anos, recém formado pela
segunda turma de engenharia elétrica da UFMA, trabalhando no departamento de
operações da CEMAR. Sentado em um banco
de igreja, ouvindo um de seus sermões, não lembro mais qual ponto da mensagem
ele queria ressaltar quando contou esta ilustração que compartilho agora. Assim como ela marcou a minha vida desde então, espero que possa
servir para alguma coisa aos senhores. Vamos lá:
Havia (no mundo da imaginação), numa cidade italiana, nos
idos da Renascença, um pintor famoso que
passou dois anos trabalhando num quadro que considerava ser a obra-prima de sua
vida. Depois de árduo trabalho,
finalmente concluiu sua obra. Para apreciá-la em primeira mão chamou o seu
melhor amigo, um afamado crítico de artes e, por isso mesmo, capaz de apreciar sua
obra com propriedade. No dia aprazado o amigo apareceu, muito contente do
privilégio a si concedido. Tomaram um café e conversaram um pouco na antessala.
Depois, adentraram ao ateliê. O pintor abriu vagarosamente a cortina da janela
e deixou entrar a brisa doce e suave junto com a tênue claridade de uma típica
e modorrenta tarde europeia. O quadro estava ali no cavalete, coberto por uma manta
de veludo. Acesas as lâmpadas a gás e ajustada a luminosidade, o pintor, enfim,
descerrou o quadro. O privilegiado primeiro
contemplador quedou-se, de imediato, extasiado! Que técnica! Que profundidade
de cores! Que texturas! Que nuances! Que luminosidade! Que magia capturada! Que
equilíbrio de tons e cores! Que perfeição de proporcionalidades! De fato uma
obra prima! Não faltavam palavras na apreciação da obra, o amigo encantado com
o que estava diante de seus olhos! Parabenizava efusivamente ao pintor e não
economizava nos elogios, quando, de repente, algo lhe chamou a atenção no canto
inferior direito do quadro. Calou-se, parou, fixou o olhar, o rosto ganhou
leves tons de seriedade que foram logo acentuados pelo cenho cerrado de quem
convive com a crítica por profissão. Os pés se moverem como por automático
impulso em direção ao quadro, àquele ponto, o braço erguendo-se, à frente um
dedo em riste, a aproximar-se, resoluto, até tocar levemente, como para
constatar que, de fato, não havia engano: “Cometeste um erro aqui. Precisas
corrigi-lo, amigo, antes de expor a obra”.
O pintor que a tudo observava, braços cruzados, inabalável, sorriu com
serenidade e leveza: “Não, amigo! Deixei esta falha de propósito, para ilustrar
que, na vida, por melhor que façamos a nossa obra, o que ficará em evidência
será o erro”.
Valeu Faustino Jr. É uma verdade.
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