Stephen Kanitz, em artigo publicado na VEJA em janeiro/2002[1] propõe um estudo de caso sobre o valor da ética. Conta a história do Zeca, um nome fictício para um caso real que conheceu. O Zeca casara com a garota mais linda da turma. Todo mundo babou de inveja! Acontece que a garota tinha uma irmã mais nova ainda mais bonita! E havia uma rivalidade mal resolvida entre elas. Diz que a cunhada andou facilitando e o coitado do Zeca caiu como um patinho e... traçou a cunhada, que, por sua vez, deu um jeitinho pra a mana ficar sabendo. Pronto! Bomba para o Zeca, coitado: perdeu o casamento, metade do patrimônio, teve ferida sua hombridade e seu nome envolto na vergonha.
Kanitz diz que o Zeca, até hoje, mais de 20 anos passados, carrega esse estigma. “Quem, Zeca? Aquele que transou com a cunhada? Há, sim, sei!” Para Kanitz parece injusta essa marca, pois o erro só durou alguns minutos. Fosse um crime qualquer, a lei teria punido e sua ficha, após cumprida a lei, estaria limpa outra vez! Mas, no caso, o ferir a ética marcou para a vida inteira o pobre do Zeca.
Historinha deveras interessante! Ilustra a natureza da ética e suas implicações. Kanitz destaca o quão fortes são os valores éticos de uma comunidade. Transgredi-los gera consequências permanentes. Não tem cumprimento de pena, não tem ficha limpa, não tem perdão. Sujou, é pra sempre, não tem como apagar – voltar e refazer.
Do ponto de vista civil e criminal, um cidadão terá sua ficha zerada após cumprir a pena determinada pelo estado. Não poderá mais ser barrado em concursos, empregos ou cargos públicos nem sofrer qualquer discriminação civil. Está livre. Com a falha moral, diz Kanitz, isso não acontece; é para sempre. Não tem jeito: você pode tentar, mas nunca vai conseguir escapar do sorriso maroto mal disfarçado – seu corpo vai lhe trair – quando encontrar com um Zeca da vida por aí, aquele que comeu a cunhada, ou um João que desviou um milhão de reais da Previdência. Essa imagem será prontamente acessada em seu HD cerebral no mesmo instante. E, pode ter certeza, farão o mesmo com você. Na roda de amigos – Zeca (ou você) ausente – boas rizadas! Para o João da Previdência (ou você), alfinetadas – Ó aí o cara que desviou 1 milhão do INSS! Passou 3 anos preso, mas agora tá aí, livre e sorridente! Perdão? Nem pensar!
Kanitz coloca a ética como um valor humano indispensável e permanente. Ninguém pode viver tranquilo sem algum código de ética. Caso rejeite a ética da religião ou a de seus pais, terá que procurar outra que lhe sirva. Kanitz afirma: ”Se você tem uma religião e não a pratica, se você odeia as pregações de moralidade que seus pais lhe impõem, isso não o exime de procurar um sistema de referência melhor para sua vida, seja uma outra religião, seja uma conduta filosófica, seja um simples livro de auto ajuda.”
Sou fã do Pastor Caio Fábio. Para mim é um gênio! Eu me atreveria a dizer um dos mais geniais pregadores cristãos do planeta! Sua compreensão do Evangelho de Cristo é, a meu ver, inigualável! Mas Caio Fábio cometeu um erro sério em 1999: teve um caso com sua secretária! Houve então um verdadeiro terremoto no mundo evangélico brasileiro. O cara fora presidente da AEvB (Associação Evangélica Brasileira), diretor do projeto Casa da Esperança, no Rio de Janeiro. Fundador da agência missionária VINDE e editor da revista VINDE (uma das primeiras revistas evangélicas vendidas em bancas), conferencista internacional, tinha uma rede de TV por satélite com antenas parabólicas, ministrando cursos no Brasil inteiro! Tive o privilégio de participar da organização de uma conferência evangelística com ele em São Luís-MA, em meados de 1994, onde pusemos 12 mil pessoas no estádio N´Hozinho Santos, coisa que, desde então, o campeonato maranhense de futebol pouco repetiu.
A história de Caio desde o adultério é longa, cheia de detalhes que não vem ao caso. Sua confissão ampla, geral e irrestrita, vale dizer, não tem paralelo que eu saiba na história do protestantismo brasileiro. Nem seu arrependimento. Hoje, contudo, sua postura crítica e ácida, palavreado agressivo – às vezes, até chulo ; entrevistas polêmicas, acusações escabrosas, e muitas controvérsias lançam sobre ele uma nuvem de desconfiança e rejeição. Muita gente não o suporta. Outros o odeiam. Alguns o chamam de demônio travestido. Muitos, porém, o amam.
Tirando essa parte birrenta de Caio, uma reação compreensível de quem já comeu o pão-que-o-diabo-amassou, que conhece muito bem os bastidores e não suporta o menor grau de cinismo de certas lideranças e de falsos amigos, quando ele sobe ao púlpito, ou fala no seu site, escreve seus artigos ou prega a Bíblia, abre-se um cenário em nossa cabeça sobre a Graça de Jesus – faz isso com uma habilidade impressionante! Ele ama Jesus e usufrui sem constrangimento dos benefícios da Graça de Cristo. Apropriou-se como poucos do perdão que Cristo dá ao arrependido.
Faço minhas filtragens, claro, mas aprecio ouvir as mensagens de Caio e ler seus livros. Contudo, cada vez que vejo ou ouço Caio, por mais que eu não queira, o estigma do Zeca invade a cena: o pastor que transou com a secretária! Não permito que esse passado embote minha percepção do seu arrependimento (metanóia) e, principalmente, de sua pregação graciosa, mas não consigo evitar o pensamento. Caio é um ser humano completo, com seus erros e acertos, mais acertos do que erros. O ponto aqui não é Caio e sim a questão levantada por Kanitz: o quão importante é o código moral e ético de um grupo social.
Zeca, Caio, Collor, Arruda, Dirceu, Delúbio, Valério, Cacciola, Abdelmassih, e tantos outros nos advertem: se queremos ficha limpa perante a sociedade, devemos cuidar de não manchá-la, pois essa mancha não se apagará jamais.
Agora, como sou cristão de linha evangélica – ou melhor dizendo, de linha protestante, vinculado a uma igreja histórica – deixa eu pontuar aqui sobre o ensino bíblico normalmente aceito entre todos os cristãos: Deus perdoa! Deus esquece! O homem não esquecerá nunca o passado. Mas com Deus é diferente. Na Bíblia está escrito que Deus conhece as nossas iniquidades todas. Contudo, “Tornará a ter compaixão de nós; pisará aos pés as nossas iniquidades e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar.”
Acredito que, uns mais, outros menos, todos somos Zecas e Caios. Se fossem publicados alguns de nossos maus intentos malsucedidos, ou os bem sucedidos nunca descobertos, nossa reputação atual sofreria sério abalo. Só isso nos deveria conter diante de Zeca e Caio.
Zeca e Caio carregarão seu estigma até a morte. Mas, pelo menos, no que toca a Caio (não conheço o Zeca verdadeiro) posso vê-lo dormir tranquilo na plena certeza de que, perante Deus, no que diz respeito à secretária, tem ficha limpa!