O questionamento do título desse texto é chocante! Mas meu objetivo com ele é apenas provocar. Egoísmo
é pecado, mas não é crime. Vivemos num
país laico. Há um princípio jurídico que diz que "não há crime sem uma lei
anterior que o defina". Imagine como seria difícil qualificar o crime de
egoísmo! Mas, raciocinando por absurdo, vamos supor que surgisse uma lei civil
que definisse o crime de egoísmo e o qualificasse, tornando-o passível de
punição pelo Código Penal. Como não temos pena de morte as punições restringir-se-iam
às opções legais disponíveis: supressão da liberdade, multas, serviços
comunitários, etc.
Por que esse raciocínio tosco e inusitado? Onde você quer
chagar, seu Faustino? Quero apenas provocar, por absurdo, a tese de alguns que
minimizam os tiros na cabeça dados por adolescentes "infratores",
vítimas da "sociedade", com o intuito de fazer-nos acreditar que
somos culpados de um crime, o crime de egoísmo. Mesmo que esse crime fosse
tipificado e qualificado não seria um adolescente infrator o juiz e o sumário
executor da pena de morte, pena essa que nem mesmo existe em nosso ordenamento.
Tá vendo o tamanho do absurdo?
Mas dirão "E você não vê o outro lado da moeda? O
tamanho do absurdo que é abandonar esses adolescentes à sua própria sorte,
negando-lhes a família, escola, a infância e a proteção constitucional que lhe
é devida pelo Estado, pela família e pela sociedade? Isso também não é crime?". Vejo sim. É
crime sim! E pergunto: crime se combate com crime? Crime é compensado com mais
crime? E afinal, de quem é o crime do
abandono à infância? Da Família? Não seria ela também vítima, pois pais e mães
tem que buscar a sobrevivência em favelas e periferias, e para isso deixam seus
filhos abandonados? É um crime da "sociedade", já que a proteção à
infância, segundo a Constituição, é também dever da "sociedade"? Quem
é essa “sociedade”?
Não! O crime É DO ESTADO e o Estado é representado pelos
seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, que são sustentados,
nababescamente - diga-se de passagem - à custa de escorchantes impostos, a
maioria arrancados às duras penas aos assalariados da "sociedade". As
responsabilidades da Família e da Sociedade são indiretas, baseadas em valores
culturais e religiosos. Uma pessoa não engajada em movimentos sociais não está
descumprindo nenhuma lei civil, talvez a de Deus. As obrigações do Estado, por
contrário, são diretas, definidas em leis, estipuladas em planos, estabelecidas
em orçamentos e bancadas com impostos. Enquanto ficarmos com essa de nos culpar
estaremos simplesmente desviando do nosso dever de cobrar as soluções do Estado
e minimizando as responsabilidades deste diante da tragédia e do caos em que
vivemos.
Mas dirão ainda: "Você está lançando TODAS a responsabilidades
para o Estado. Mas e as nossas? E as suas?". Com certeza temos as nossas
responsabilidades e eu tenho as minhas, mas elas nunca serão exercidas em níveis
suficientes para mudar o quadro. São necessárias e importantes para minimizar o
sofrimento e devem ser buscadas e estimuladas. Aí entra nossa religião, nossas
crenças e nossa civilidade. Toda obra social é mitigadora, paliativa. Madre
Teresa de Calcutá fez sua parte muito bem, mas em que mudou o seu país? EM
NADA. Mudou apenas alguns destinos pessoais (se é que podemos dizer “apenas”). E
quanta gente está envolvida nesse batalhão do bem por toda parte, dando de si
para minimizar esse caos? Mas o resultado é pontual. Para mudar de verdade o
Estado tem que fazer o seu papel. Se não o fizer, o que resta é enxugar gelo.
Reconheço que não estou cumprindo bem meu papel de
cristão. Como cidadão, igual a muita gente por aí, pago impostos, obedeço às
leis, trabalho, não usufruo de verbas públicas, respeito as pessoas, etc., etc.
Mas como cristão não socorro aos pobres, não corro a segunda milha nem dou a
segunda face, pelo menos no nível que deveria. Estou sempre em falta. Me sinto
incomodado. Paro e reflito, oro, faço propósitos, pratico alguma coisa, mas
quase sempre me frustro. Sou egoísta por nascimento. Triste constatar. Carrego
essa culpa perante Deus. Mas não é por isso que o Brasil está desse jeito. E
não é recebendo tiros na cabeça que eu vou pagar pelos meus pecados, ou você
pelos seus. Pronto, falei.
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